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A cidade que inclui

A urbanização do século XX trouxe o slogan “cidade para todos”. No entanto, desconsiderava formas de desigualdade além da socioeconômica, como gênero e etnia.

As experiências das pessoas nas cidades não podem ser vistas de uma forma única. Sobretudo quando colocamos o foco no cotidiano e nos desafios enfrentados pelas mulheres, em especial mulheres negras e periféricas. As vivências se interseccionam com um conjunto de desigualdades e injustiças territoriais. Pensar a cidade a partir de um olhar de gênero significa tentar compreender como essas opressões se acumulam e impactam a vida das mulheres e, assim, começar a vislumbrar caminhos possíveis para que essas tenham de fato direito à cidade.

Refletir sobre o acesso à moradia adequada é estruturador para compreender os limites para mulheres. Grande parte da população de baixa renda é constituída por mulheres, dentre as quais muitas mulheres negras, que moram em regiões periféricas, com menos serviços públicos de qualidade,tais como creches, escolas, postos de saúde ou espaços de lazer. Por conta disso, sujeitam-se a tempos mais longos de transporte em relação a bairros mais centrais.

A localização da moradia determina o deslocamento cotidiano, o acesso aos equipamentos e serviços de saúde, educação, cultura, lazer, transporte público de qualidade, vagas de emprego etc. Em cidades desiguais como as brasileiras, a localização também reflete as condições físicas da casa, a formalidade ou informalidade da posse, o valor do aluguel ou do próprio imóvel, os materiais construtivos e as infraestruturas que o servem.

Além disso, as mulheres ainda fazem a maior parte do trabalho doméstico. Segundo dados de 2018 do IBGE, mesmo trabalhando fora, elas cumprem em média 8,2 horas a mais em obrigações domésticas do que os homens. Por isso, a insuficiência nas redes de transporte público e a falta de linhas que circulem dentro de um único bairro ou região, atrapalha e, em alguns casos, até impossibilita que a mulher realize um trabalho remunerado. Falta de vagas em creches públicas e em hospitais também impactam mais as mulheres neste sentido, já que elas acabam acumulando a responsabilidade de cuidar de crianças, idosos e doentes dentro do núcleo familiar.

Em geral, o homem tem um deslocamento linear pela cidade, ou seja, se desloca do ponto A ao ponto B: de casa para o trabalho, e vice-versa.O padrão de deslocamento feminino é o que chamamos de ‘zigue-zague’, incluindo idas à escola, trabalho, mercado, médico dos filhos, depois para a padaria. Há também o impacto em relação à violência urbana e a violência doméstica.

De acordo com a edição 2019 do Atlas da Violência, editado pelo Ipea, as mulheres são mais vulneráveis às agressões e à violência, sendo que as mulheres negras representam 66% do total de 4.936 mulheres assassinadas no País em 2017.

A política habitacional deve estar comprometida com a efetivação do direito à cidade e com o combate à desigualdade de gênero deve opor-se à lógica perversa de transformar em mercadoriao que deve ser um direito. Para as mulheres que habitam periferias e que sofrem múltiplas opressões, o acesso à moradia realmente adequada pode ser um caminho para a promoção da autonomia em todas as dimensões de sua vida.

Pensar a cidade numa perspectiva de gênero implica transformá-la a partir das diferentes demandas, necessidades e vulnerabilidades de cada grupo social. Toda mulher que anda pela cidade é uma poderosa agente desta transformação, e o espaços públicos devem possibilitar que todas possam passear, estar, circular, protestar, amar e existir livremente e com segurança. Enfim, exercer seu direito à cidade.

Fonte:

  • https://casavogue.globo.com/Arquitetura/Cidade/noticia/2020/03/cidades-sao-pensadas-para-mulheres-urbanistas-sugerem-solucoes-de-inclusao.html
  • https://www.archdaily.com.br/br/935134/mulheres-nas-cidades
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